quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Quando ser criativo é ser servo!



Vivia na cidade Martyn Avdeitch, o sapateiro. Ele morava num porão que tinha uma única janela que abria para a rua. Pela janela baixa podia ver as pessoas passando, mas delas enxergava somente as pernas. Martyn Avdeitch, no entanto, conhecia as pessoas pelo calçado. Fazia muito tempo que vivia naquele lugar e tinha muitos conhecidos. (TOLSTOI, 2001, p. 21)


Tolstoi revela, através do relato da vida do sapateiro Avdeitch, um fato muito interessante. Através do serviço acontece uma experiência de conhecimento do outro. O sapateiro conhecia as pessoas que faziam parte da sua vida apenas pelo seu calçado e por elas ele se tornava conhecido. Elas com certeza tornavam a procurá-lo, pois sabiam que ali encontravam um serviço especial e personalizado. O serviço aproximava aquele que realizava a obra dos que eram beneficiados pelo ofício do homem que conhecia as pessoas pelo que elas tinham mais particular e específico, o calçado.
O ministro que almeja um ministério criativo precisa entender que o serviço cristão é a oportunidade de doar-se e permitir que o outro seja agraciado pela mão estendida a servir. É a chance de conhecer a quem devemos servir e tocar com a mensagem da cruz. É o cristão se permitindo ser visto como alguém que é inspirado a servir como Cristo servia. Card[1] afirma que “no reino às avessas, a verdadeira grandeza está no gesto do servo que se curva com a bacia e a toalha”.
Foster[2] nos ensina que pelo exemplo deixado, Cristo nos doutrina que a vida de cruz é a vida daquele que de forma livre e voluntária aceitou ser servo de todos. Não é por obrigação, mas opção que diante de Deus o ministro cristão se torna livre para servir aos outros com o amor que é inspirado pelo exemplo deixado pelo Mestre dos mestres.
Para Nouwen[3], servir é se permitir trilhar o caminho descendente que leva aos pés da Cruz. É a ótica contrária a cosmovisão contemporânea onde a ascensão é uma ordem e um alvo a ser seguido por todos os que almejam a liderança em qualquer área. Ser alguém que é chamado à liderança no ministério cristão é ser chamado para servir e se doar pelo próximo.

Ministério significa uma tentativa constante de por sua própria busca por Deus, com todos os momentos de dor e alegria, desespero e esperança, à disposição daqueles que querem se juntar a esta busca, mas não sabem como fazê-lo. Por isso, ministério de modo algum é um privilégio. Ao contrário, é o âmago da vida cristã. (NOUWEN, 2008, p. 128)

Exercer o serviço no ministério cristão é estar disposto e se negar e assumir as suas fragilidades permitindo que o amor de Deus o guie na busca por atender o outro que precisa ouvir as boas novas.
Lane[4] defende a importância existente no fato de manifestar o amor pelo próximo procurando perceber quais são as necessidades desta pessoa em todos os sentidos do seu existir. É comum o entendimento que alguém ao exercer a liderança no ministério cristão possa se sentir com méritos e até, em certa medida, mais ilustres do que outros. Mas, esse sentimento perde espaço e o amor que há no ministro criativo o leva a exercer ações em busca do que pode suprir as ausências na vida daquele que ainda não alcançou uma relação de intimidade profunda com Cristo e não está exercitando a sua espiritualidade.
Nouwen[5] explica que quando Deus permite que em nosso caminho apareça alguém, esse não é um encontro casual. Para alguém de fé, sempre é tempo de servir e promover o Reino de Deus. O ministro cristão precisa estar atendo a qualquer oportunidade que possa existir para que a disciplina do serviço se faça presente.

Imediatamente após Pedro ser comissionado para ser o líder de seu rebanho, Jesus o confronta com a dura realidade de que o líder-servo é o líder que é guiado para lugares desconhecidos e dolorosos. (NOUWEN, 2002, p. 42)

Às vezes o que o ministro cristão presencia é uma árdua realidade e nem sempre servir se resume às simples tarefas do cotidiano. Muitas vezes, o desconhecido e a dúvida irão arrastar aquele que glorifica a Deus com a sua servidão para lugares de solidão e sofrimento. Porém, a certeza de que o Cristo da cruz foi alguém que deu a vida e venceu permite ao ser humano a convicção de estar no caminho certo. É aí que a alegria brota do coração daquele que usufrui da intimidade do Deus Criador.

No Teu bom serviço tenho eu prazer, nele muita graça eu vou receber;
Sempre falarei assim do Teu amor, e Te glorificarei meu Salvador.
Desça Tua graça sobre mim, Senhor, para trabalhar com mais e mais fervor,
dá-me entendimento e veraz saber, para alegre, eu fazer o Teu querer.
Só em Ti confio, meu Senhor e Rei; Só em Ti vitória eu alcançarei.
E contigo quero sempre aqui viver, ‘Té que p’ra Sião, me venhas receber.
Sim, ó meu Senhor, quero seguir-Te, ó Deus de amor.
Sempre Te servindo, e também dando a Ti louvor.
(NENES e BILHOM, Servir a Jesus, HC147)

Para que o ministério cristão seja criativo é necessário assumir a condição de servir. Para Nouwen[6], o ensino, a pregação, o cuidado individual e a organização são oportunidades de promover o exercício do ministério cristão através da atitude do serviço. É preciso mais servos no ensino que desejem oferecer aos seus alunos a verdadeira liberdade. O ministério necessita de mais pregadores que permitam que sua intimidade esteja disponível aos que anseiam pelo evangelho e possam assim receber as boas novas. É urgente a necessidade de pessoas aptas a se arriscarem a ponto de permanecerem fiéis ao sofrimento do próximo mesmo quando isso lhes custa valores preciosos materiais e imateriais. Uma nova cosmovisão surge onde a esperança de uma total renovação se faz presente.
Enfim, o objetivo do serviço na ótica do ministério cristão é “oferecer uma nova abordagem, dar nova força, romper as cadeias da morte e destruição, e criar uma nova vida que pode ser confirmada. Em resumo, fazer com que a própria fraqueza se torne criativa”. (NOUWEN, 2008, p. 129)


[1] CARD, 2008, p. 87.
[2] FOSTER, 2007, p. 169.
[3] NOUWEN, 2002, p. 42.
[4] LANE, Bill. In. CARD, 2008, p. 91.
[5] NOUWEN, 2008, p. 82.
[6] NOUWEN, 2008, p. 128.

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